O cinema sul-coreano tem se mostrado cada vez mais forte. Essa afirmação serve tanto para revelar políticas internas do país quanto para ressaltar a qualidade artística do que é produzido por lá. Assim, atualmente, ao mesmo tempo em que consegue exportar diretores do calibre de Chan-wook Park (Segredos de Sangue) e Joon-ho Bong (Okja), suas produções nacionais são mais assistidas nos cinemas pelo seu povo do que as produções hollywoodianas – sendo um dos poucos países no planeta com essa marca. Kyu-Jang Cho, o estreante diretor de The Witness, demonstra um potencial dos mais vistosos para um primeiro trabalho. E é perceptível em filmes produzidos para uma plataforma de streaming global como a Netflix, por mais que as culturas sejam diferentes, existe uma certa busca pela uniformização do cinema. Kyu-Jang Cho já revela no início do seu filme, em apenas alguns segundos, sua própria expectativa: em um plano de cima – um ponto de vista chamado de God’s Eye View (como se fosse a visão de Deus) – com tudo de cabeça para baixo, vê-se um carro se aproximando. A imagem, então, movimenta-se apenas em seu eixo vertical, fazendo com que, ao passar, o carro e tudo o mais transmutem-se para um plano normal. É como se o diretor dissesse que, além de somente Deus estar presenciando o que acontece naquele veículo, há uma situação fora do controle se aproximando. É perceptível, por exemplo, que Sang-hoon (o protagonista da história, interpretado por Sung-min Lee) percebe de cima o crime sendo cometido. Sendo a witness (testemunha) do título, ele estaria ligado diretamente a Deus apenas por um plano pensado pelo diretor. E fica cada vez mais clara essa alusão de que testemunhas são como olhos divinos, com poder de decidir a vida de outras pessoas. O roteiro, por sinal, sempre que possível escancara de uma maneira muito natural essa relação. Há quase uma aura sobrenatural, uma força que pode salvar vidas ou simplesmente deixá-las morrer – de repente trazendo o pensamento particular de um diretor proveniente de um país de maioria cristã sobre o que é ou quem é Deus. O roteiro traz discussões sociais bastante pertinentes, sendo a falta de esforço para ajudar o próximo a mais efetiva. Nesse sentido, mostra-se o pensamento de que mais vale ter seu apartamento sem queda no valor de revenda do que encontrar a mulher desaparecida de um vizinho que pede ajuda. Ainda, enquanto o assassino aparece e desaparece como se realmente fosse um ser das sombras – tendo acesso aos apartamentos, aos corredores, a carros e a motocicletas sem qualquer aprofundamento (locais muitas vezes com travas eletrônicas high-tech, mas sem uma câmera de segurança sequer), o roteiro faz questão de ressaltar que, da mesma forma que Sang-hoon é uma espécie de deus por ter o poder do testemunho, o criminoso ali é a personificação de um demônio. E a prova que rima toda a estrutura do filme com sua cena de abertura vem em uma das últimas sequências. Durante um embate entre protagonista e antagonista – banhado por uma chuva que pode remeter a um dilúvio –, Sang-hoon pergunta: “O que você é? Você é o Diabo?” Em seguida, em seus segundos finais, The Witness encara o silêncio. Tudo acaba e, em um gesto contrário, retornando ao local onde tudo começou, o sobrevivente olha para cima, justamente para onde o assassino lhe vira antes, e, em teste, grita por ajuda. Filmaço, não perca!!
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