A fascinante história dos irmãos Angulo

A fascinante história dos irmãos Angulo ficou conhecida por acaso. Quando caminhava pelo East Village em março de 2011, a então estudante de cinema Crystal Moselle não imaginava que um encontro fortuito mudaria sua vida para sempre. No trajeto entre a School of Visual Arts, onde estudava, e sua casa, ela cruzou com seis meninos, na época entre 11 e 18 anos, vestidos de terno preto e óculos escuros, que pareciam saídos do clássico Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino. Curiosa, aproximou-se deles e se apresentou. Ela perguntou se eram irmãos. Timidamente, eles responderam que sim e acrescentaram, como lembra Moselle: “Não devemos falar com estranhos”. No entanto, a curiosidade os dominou depois que souberam que Moselle estava envolvida com cinema. Ela fez amizade com os meninos e começou a filmá-los enquanto reproduziam cenas de seus filmes preferidos, como “Cães de Aluguel” e “Batman: o Cavaleiro das Trevas”. Ela achou a criatividade dos irmãos incrível: eles usavam cartolina, caixas de cereais, tinta e até tapetes de ioga para criar figurinos e cenários elaborados. À medida que Crystal frequentava a casa da família, um apartamento de quatro quartos no Lower East Side, ela notou que havia algo mais intrigante do que a obsessão dos irmãos pela sétima arte, mas não sabia exatamente o quê. Consumidores vorazes de blockbusters como Pulp Fiction, Batman Begins e A Hora do Pesadelo, eles costumavam produzir seus próprios “remakes” dos filmes e decoravam na íntegra os diálogos com exatidão impressionante. “Quando entrei pela primeira vez no apartamento, onde eles já viviam há dez anos, tive a sensação de que o tempo havia congelado. As paredes eram cheias de desenhos dos meninos, e havia figurinos espalhados pela casa, que mais parecia um palco.” Seis meses depois, Moselle soube por que os irmãos adoravam tanto os filmes: eles tinham passado a maior parte de suas vidas fechados no apartamento da família. Desde que havia se mudado para o apartamento com a mulher, Susanne, e sua prole, em meados dos anos 1990, Oscar, o pai dos meninos, temendo as drogas e o crime na cidade, proibira a família de se aventurar lá fora. As pessoas eram mal-intencionadas e perigosas, disse-lhes Oscar, e eles não deviam confiar nelas. A família vivia da assistência social, e só Oscar saía para buscar comida. Houve um ano em que os seis só saíram de casa em duas ocasiões, e também eram obrigados a usar os cabelos longos, sem cortar. “Quando você é jovem, não sabe por que as coisas são como são”, disse Govinda Angulo, 22, irmão gêmeo de Narayana. “Você simplesmente as aceita”. Devotos de Hare Krishna, os pais deram aos filhos nomes em sânscrito: Bhagavan, Govinda, Narayana, Mukunda, Krsna e Jagadisa, por ordem de nascimento. Susanne, que educou os meninos em casa, disse que se sentia impotente frente às ordens do marido. “Eu achava que não tinha opção”, disse ela. No entanto, Oscar fornecia liberalmente à sua família filmes clássicos, campeões de bilheteria e independentes. Eles tornaram-se a janela dos meninos para o mundo. Crystal e os garotos começaram a se encontrar, e numa das ocasiões, ela fez uma proposta ao clã: “Posso fazer um filme sobre vocês?”. Eles acharam a ideia meio estranha, mas toparam – e o resultado é The Wolfpack (A Matilha), vencedor do prêmio de melhor documentário do grande júri no Festival de Sundance e um dos destaques do Festival do Rio. “Muita coisa mudou na família Angulo desde que Crystal Moselle terminou de filmar o documentário. “Não tinha a menor noção da história por trás da paixão dos meninos por cinema quando os conheci”, comenta a cineasta à revista Vogue sobre seu primeiro filme. “Eles são superdoces, nunca tinha encontrado ninguém assim antes na minha vida. Só depois de quase um ano eu comecei a perceber o modus operandi da família”, relembra Crystal, que levou quatro anos e meio para concluir o filme. “Aos poucos a verdade começou a se revelar – e o documentário ganhou um novo foco quando um dos irmãos, Mukunda, lhe fez uma confissão: em 2010, ele aproveitou um descuido do pai e saiu de casa usando uma máscara inspirada no personagem de Michael Myers, em Halloween, certo de que ia passar despercebido. Mas a polícia o prendeu após denúncias dos comerciantes da rua, assustados com aquela figura mascarada. Como o garoto não respondia às perguntas dos policiais, ele foi levado para um hospital psiquiátrico sob suspeita de ser doente mental. “Na hora me perguntei: por que alguém sairia de casa assim? Ali tive o clique de que a vida deles era muito mais complexa do que eu imaginava. A fuga de Mukunda foi um ponto de inflexão para a família e levou os outros irmãos, e a mãe, a fazerem o mesmo. Os irmãos referem-se a essa época como “a libertação”, relata Moselle. Govinda mudou-se para um apartamento no Brooklyn. O resto da família, inclusive Oscar, ainda mora com ele. No entanto, com exceção de Bhagavan, nenhum dos meninos fala mais com o pai. “Eu quero avançar, não recuar”, disse Mukunda, que é assistente de produção freelance. “Sinto que, se começarmos a voltar à antiga maneira de agir, não conseguirei progredir em minha vida.” Os irmãos parecem prosperar. Bhagavan ensina ioga jivamutki e é dançarino no conservatório de dança hip-hop. Govinda trabalha como assistente de câmera freelance e diretor de fotografia. Narayana trabalha no grupo de pesquisa de interesses públicos de Nova York. Os seis irmãos Angulo agora podem ir e vir. Hoje eles têm amigos, empregos e páginas no Facebook. Viajaram para o Festival de Cinema Sundance, onde o filme ganhou o grande prêmio do júri, visitaram a família de sua mãe em Michigan e fizeram um filme de arte para a Vice. Um deles se mudou, outro tem uma namorada. Quatro cortaram os cabelos compridos. Os dois mais moços mudaram de nome. Apesar de todos esses momentos luminosos, porém, o filme levanta questões sobre algo que os irmãos tentam deixar para trás: um passado perturbador. “Não há nada de bom em relação a isso”, disse Narayana Angulo. “Não desejo essa situação para nenhuma família do mundo.” Porém, nenhum deles parece ter grandes problemas por ter exposto suas vidas ao mundo. Quanto a seu pai, ele disse que aprendeu a perdoar e a aceitar que às vezes é assim que o universo funciona, diz Govinda. “Você sabe, ainda temos um longo caminho a percorrer”, disse Narayana. “Mas tenho cada vez mais esperança de que conseguiremos sair de onde estivemos”. Uma história realmente digna de um filme!!

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ONDE ENCONTRAR: Official Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=6oNvzXG_byQ Film: https://www.amazon.com/Wolfpack-Bhagavan-Angulo/dp/B011BFXFBS

via: Gazeta do Povo; Vogue

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