Uma Mulher ao Sol em cartaz no Rio de Janeiro

No dia 13 de maio estreou no Oi Futuro a performance Uma Mulher ao Sol, uma  realização do Projeto Trajetórias, com dramaturgia criada a partir de trechos do livro diário Hospício é Deus (1965) de Maura Lopes Cançado e direção do premiado Ivan  Sugahara.  As atrizes Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera usam a linguagem da dança e  do teatro físico para abordar a relação entre a experiência do confinamento durante a  pandemia e a reclusão vivenciada pela escritora em uma de suas internações no Centro  Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. A voz gravada de Danielle, nas apresentações em solo brasileiro, e a voz de Maria Augusta, nas apresentações na França, lendo trechos do livro,  é a única fala presente na performance e narra o dia a dia de Maura na instituição, que  durou cinco meses (de outubro de 1959 a março de 1960). A performance reestreia dia 07 de julho no Festival de Avignon – evento que acontece  anualmente na França desde 1947, referência internacional na área. A performance faz parte do projeto Lugar de Cabeça Lugar de Corpo, que ocupa o  Oi Futuro no Flamengo desde 13 de maio com três atividades artísticas que  acontecem em paralelo e abordam a Saúde Mental: a performance Uma Mulher ao  Sol, a instalação Arte em Travessia  e a intervenção cênica Entrada Franca aos Visitantes – com  as atrizes Nady Oliveira e Anna Fernanda. O projeto Lugar de Cabeça Lugar de Corpo fica em cartaz até dia 12 de junho, os ingressos, grátis, você encontra AQUI. Agende-se!! As atrizes Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera concederam uma entrevista à jornalista Cristiana Lobo publicada dia 06 de maio de 2022 no  site ArteCult (link www.artecult.com) sobre o  processo de pesquisa e construção do trabalho, assim como suas impressões e  expectativas. 

Cristiana Lobo: O trabalho aborda emoções muito intensas, como foi o processo de preparação e  busca de referências para a performance? Vocês entraram em contato com  usuárias do instituto para compreender melhor o que elas sentem? 

Danielle: Eu pesquiso a área da saúde mental há 5 anos. E quanto mais o tempo passa,  mais percebo que essa pesquisa é muito mais sobre mim mesma, sobre a minha forma de  estar no mundo e sobre o nosso olhar para o outro. Eu tive contato com algumas usuárias  durante meu trabalho anterior, mas não é sobre o que “elas sentem” e sim sobre o que eu sinto, sobre o que você sente… A gente fala de sofrimento psíquico, de dor e isso é  comum a todos nós. 

Maria Augusta: Nos isolarmos no campo durante a pandemia para trabalhar e viver  juntos foi fundamental para me aprofundar na pesquisa e mergulhar no universo da  Maura, criando um paralelo íntimo com o que eu estava vivendo. Nossas referências em  comum, além das palavras da escritora, foram documentários, filmes ficcionais, artistas  visuais, textos e falas de pessoas que passaram pela experiência manicomial.  

Cristiana: Ao conhecer o universo artístico e os registros escritos deixados pelas pessoas que passaram pelo Instituto e pela Maura, qual foi a maior surpresa e o maior  aprendizado? 

Danielle: Eu retomei o contato com a obra da Maura no início da pandemia. E foi uma  redescoberta pra mim, algo que eu não esperava sentir. Eu já admirava sua escrita, mas me reencontrei com ela em plena pandemia e depois de ter passado por um período  muito duro pessoalmente. Foi revelador, incômodo e reconfortante ao mesmo tempo.  Aprendi a olhar pra dentro.  

Maria Augusta: A maior surpresa foi perceber o quanto temos em comum. Me identifico cada vez mais com a vida interior da autora e reflito sobre o que faz alguns de nós cruzarmos a linha da sanidade mental e outros não. O maior aprendizado foi entender que “toda a humanidade é responsável pela doença mental de cada indivíduo”, citando Maura.  

Cristiana: Qual foi o maior desafio que vocês encontraram durante o processo? 

Danielle: Um desafio bem concreto foi a própria pandemia de covid-19. Iniciamos nossos ensaios em agosto de 2020, em total reclusão. Foi uma imersão em um momento  extremamente conturbado e incerto do mundo. Tivemos a sorte e a disciplina necessárias para seguir em frente por dois anos intensos de trabalho. Fizemos e refizemos nossos planos quase diariamente. Foi um período em que as condições externas ditaram muito a  condução e a continuidade da pesquisa. Outros desafios foram as resistências física e  emocional para encarar este mergulho.  

Maria Augusta: O maior desafio foi fazer coexistirem a guerra pandêmica “lá fora” com a construção de uma obra de arte “aqui dentro”, em termos práticos, como reunir os  artistas envolvidos, e em termos emocionais. Uma Mulher ao Sol foi um processo  doloroso e a minha salvação, neste período tão duro.  

Cristiana: Vocês usam a linguagem do Teatro Físico e a performance não tem falas, apesar da gravação em off. Qual é a diferença quando uma cena é interpretada sem falas?  Por qual motivo essa linguagem foi escolhida para este trabalho? 

Danielle: Já há algum tempo eu tenho o desejo de trabalhar menos a linguagem verbal  em cena e mais o corpo e suas possibilidades de comunicação. Tudo que acontece com  a gente na vida passa primeiro pelo corpo, depois a gente racionaliza, decodifica e  verbaliza. Neste caso, estamos sem a racionalidade que a fala exige. Estamos inteiras,  sentindo e reagindo a tudo ao que nossos corpos são expostos em cena. Nós  procuramos trazer, com a concretude do corpo, uma outra dimensão para as palavras da Maura. O corpo é uma linguagem universal e acredito que este seja um bom ponto de  partida pra tratarmos de um assunto tão delicado e urgente.  

Maria Augusta: Sem a fala, o corpo entra em foco, cada ação física é cuidadosamente  escolhida e executada. Em se tratando de um assunto tão profundo e complexo, a expressão corporal é, pra mim, a única linguagem que pode alcançar os significados das palavras de Maura e a potência do que ela é nós vivemos.  

Cristiana: Depois da estreia no Oi Futuro o espetáculo se apresenta no renomado Festival de Avignon, na França. Quais são as expectativas em relação à apresentação? 

Danielle: Primeiramente, viver a experiência em si, que é esse festival. Além disso, meu desejo é continuar levando a reflexão sobre a saúde mental através da arte. Se pudermos levar para outras cidades, outros países, melhor ainda. A gente vai! Vivemos um momento global extremamente crítico em relação à saúde mental e isso é muito sério. Precisamos falar sobre o que as pessoas não costumam gostar de ouvir. A arte produz sentido, dá contorno e pode trazer ferramentas em direção à cura. Somos mulheres falando de uma  mulher. Uma mulher que fala de tantas outras, de todos nós. A gente quer colocar isso no  mundo.  

Maria Augusta: Enquanto atriz, este vai ser um desafio incrível. Descobrir em mim os recursos para tal entrega psicofísica em 06 apresentações por semana. A expectativa é  gerar reflexão sobre o tema, tão necessário agora, e abrir novos caminhos para a obra e  para todos nós.  

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INGRESSOS: https://www.sympla.com.br/produtor/lugardecabecalugardecorpo

@mariamontera @daniellesoliveira_ @ivansugahara

https://artecult.com/

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