O especialista em iluminação Daniel Feldman em entrevista exclusiva à Hardecor

Daniel Feldman é especialista em iluminação. Graduou-se em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez mestrado e doutorado em arquitetura também pela UFRJ. Além disso tem quatro cursos de pós-graduação com ênfase em iluminação. Trabalha atualmente na empresa de iluminação portuguesa Osvaldo Matos, O/M Brasil (www.om-light.com). Professor em diversos cursos de pós graduação, cursos livres e palestras no Brasil desde 2001, Daniel faz com que a iluminação quase seja um assunto fácil. A seguir, a entrevista que o simpático profissional, que trabalha e reside em São Paulo, concedeu exclusivamente à Hardecor. 

Hardecor:O que define um bom projeto de iluminação?

Daniel Feldman: Excelente pergunta para iniciarmos nossa entrevista. Quero iniciar agradecendo a Valeria Coelho pela oportunidade, sempre muito cordial e gentil. Um bom projeto de iluminação resumidamente precisa ter harmonia. É preciso harmonizar a arte e a ciência presentes em vários elementos importantes como a ausência de ofuscamento, proporções equilibradas de luz e cor, quantidade e qualidade da luz adequadas a cada propósito. Evitar manchas luminosas em teto, parede, mobiliário e piso. Tudo isso junto e misturado para revelar belezas e esconder tudo aquilo que não deve ser protagonista na cena. Por fim, também precisamos ter ética e consciência para iluminar tudo adequadamente usando o menor valor de potência possível, minimizando assim os impactos ambientais com o uso da iluminação elétrica, utilizando de forma responsável os recursos naturais do planeta.

H: Você poderia definir um conceito imprescindível em um projeto de iluminação?

DF: O conceito na verdade vem dos nossos clientes, seja do cliente final seja dos nossos parceiros arquitetos, designers de interiores, entre outros. Já o partido luminotécnico, ou seja, o conjunto de ferramentas que cada projetista lança mão para atender tal conceito, esse sim depende de conhecimentos da arte e da ciência, da arquitetura e da engenharia, dos aspectos subjetivos e objetivos que envolvem esse maravilhoso mundo da iluminação. Questões relacionadas a características fotométricas, colorimétricas, elétricas e térmicas. A escolha da posição e da focalização das fontes de luz no ambiente será fundamental para atingir o resultado desejado. 

H: Quem foram, ou são, seus mestres?

DF: Meu primeiro professor na área de iluminação foi o José Luiz Galvão. Eu fiz uma pós em engenharia de segurança do trabalho em 1997 e ele foi meu mestre. Naquela época, pelo menos no Rio de Janeiro, eu só tinha essa opção, ou seja, uma pós de 360 horas com apenas 20 horas destinadas para uma disciplina de iluminação. Uma das frases marcantes do Galvão é: “Um projeto de iluminação é antes de mais nada, um exercício de comunicação visual”. Mas o destino ainda me reservou algo mágico, pois através do Galvão eu conheci uma amiga que temos em comum, Esther Stiller, uma profissional do mais alto nível nesta área. Tem no currículo mais de cinco décadas dedicadas a projetos de iluminação. Esther é sem dúvida minha maior referência no segmento. Quero citar também uma das frases da Esther que eu dou muito valor: “Ninguém alcança o estado da arte em iluminação sem passar pela ciência”. Recomendo conhecer um pouco mais sobre o Instituto Esther Stiller no Instagram, @i.estherstiller. Não posso deixar de citar outros nomes de professores que me ajudaram em muito, na trajetória até aqui: Jorge Luiz do Nascimento, Aldo Carlos de Moura Gonçalves, Isac Roizenblatt, Fernando e Antonio Vieira, Claudia Krause e Maria Maia Porto.

H: Que projeto te impactou ultimamente?

DF: Recentemente eu li e vi algumas imagens da solução de iluminação do Pórtico da Glória na Catedral de Santiago de Compostela, projeto concebido por Ignacio Valero. Realmente posso dizer que os projetos onde o lighting designer pode contar com apoio de indústrias especializadas para desenvolver aparatos únicos é, sem dúvida, potencializador de bons resultados. Fotometrias específicas sendo desenvolvidas para as distâncias e intensidades pontuais do projeto. A resultante de tudo isso é realmente única e isso mostra que os detalhes fazem total diferença no resultado final.

H: Um novo talento.

DF: Acredito que temos vários novos talentos. A FOCO, de Junia Azenha e Ana Karina Camasmie, já consolidada no mercado, é excelente representante dos novos talentos na área de iluminação. Eu gostaria de citar vários outros nomes aqui, mas certamente acabaria por esquecer alguns. Eu tenho tido a oportunidade de viajar por todo o Brasil dando aulas e/ou palestras de iluminação e percebo que tem muitas pessoas boas e interessadas em se desenvolver cada vez mais neste segmento.

H: O que você sempre usa e o que jamais faria parte do seu repertório?

DF: Antes de responder essa pergunta, acredito ser honesto esclarecer que eu mesmo não faço projetos de iluminação. Fiz muito pouco em duas décadas. Na verdade trabalho vivenciando os projetos de inúmeros lighting designers. A partir dessa oportunidade de aprendizado diário, eu posso desenvolver o meu olhar crítico. Volto a citar a posição e focalização da luz. Eu vejo inúmeros projetos de iluminação, onde a fotometria da lâmpada ou luminária com led integrado é evidenciada na parede. Eu respeito quem gosta de ver isso na parede, porém, eu realmente acho uma forma incorreta de posicionar e focalizar a sua luz. A mancha luminosa vai disputar a atenção do usuário no ambiente com outro elemento que deveria ser protagonista. Embora seja uma brincadeira minha, me permita citar uma frase que gosto de mencionar em aulas: “Todos nós somos lindos, a luz é que às vezes atrapalha”. Portanto, cada um de nós, com as suas devidas particularidades, precisamos afinar o olhar a cada dia, desenvolvendo um senso crítico para iluminação.

H: Quais são os seus materiais favoritos?

DF: Eu entendo que todo projeto tem seu budget. Cada cliente tem seu limite. Cada cliente atribui um VALOR para o seu projeto. No entanto, quero deixar a seguinte reflexão: será que estamos balizados pelo VALOR do cliente ou será que estamos entrando em alguns projetos de forma desanimada, nivelada por baixo ou por experiências negativas? Será que o próprio lighting designer algumas vezes não faz especificações de produtos de maior valor agregado, por achar que o cliente não vai comprar mesmo? Acho importante SEMPRE tentar o melhor possível tecnicamente. Na medida que vamos explicando as qualidades técnicas ao cliente, caberá a ele investir ou não para atingir o resultado final mais satisfatório. No exterior sou fã de empresas como Erco, Flos, iGuzzini. Aqui no Brasil temos O/M, Lumini, entre outras. Não estou afirmando que ao especificar produtos de maior qualidade o resultado final sempre será excelente, isso vai depender de outros inúmeros fatores, tais como: posição, focalização, controle de ofuscamento, entre outros. Mas se tudo isso for observado de maneira satisfatória, hummm… acredito que o resultado é um final feliz. 

H: Fale, por favor, sobre temperatura de cor e os ambientes/situações adequadas para cada uma delas.

DF: Temperatura de cor ou aparência de cor das fontes de luz é algo bastante polêmico. Eu escrevi sobre isso nas minhas últimas três pós-graduações. Na primeira fiz uma relação entre IRC e Temperatura de cor. Na segunda, relacionei temperatura de cor com iluminância, diagrama de Kruithof. Por último, recentemente, abordei sobre a preferência de uso de temperaturas de cor nos ambientes residencial, comercial e corporativo, entrevistando cento e sessenta pessoas no Brasil. Será um prazer dividir esses artigos na íntegra com qualquer leitor de Hardecor que se interessar. De forma bem resumida, quero mencionar que para pele humana, minha preferência pessoal é por 3000K ou menos. Por outro lado, para iluminar objetos ou tecidos coloridos, eu realmente acredito que espectros diversos devem ser estudados. Em linhas gerais, temperaturas de cor de luz mais baixas (quentes) tendem a favorecer cores “quentes” (vermelho, laranja, amarelo) dos ambientes, assim como as temperaturas de cor de luz mais altas (frias) tendem a favorecer cores “frias” (azul, violeta) dos ambientes. Vale a reflexão!

H: Fale, por favor, sobre o significado da luz nas nossas vidas.

DF: Luz é vida. Luz é saúde. Luz tem sua dualidade onda-particula. O fotón, que é uma energia luminosa, ao chocar-se com uma superfície, uma parte transforma-se em energia térmica. Essa energia térmica, pode ser potencialmente suficiente para retirar umidade de um material e por consequência, dependendo da sensibilidade do material, causar desbotamento e/ou ressecamento. A luz elétrica expandiu o dia, alterou o nosso ciclo circadiano, nossos ritmos biológicos. Enfim, precisamos cada vez mais pensar na luz para embelezar, mas também minimizar os impactos dela na saúde humana. No início deste século, foi amplamente divulgado ao mundo a teoria das células ganglionares. A partir disso, o profissional de iluminação precisou rever conceitos e se atualizar sobre os impactos da iluminação. Ainda temos um longo caminho pela frente.

H: Como é a casa de Daniel Feldman? Qual a temperatura de cor predominante em sua residência?

DF: Em termos de temperatura de cor na iluminação da minha casa, atualmente 3000K é que predomina. Graças a Deus está de acordo com minha preferência apontada na resposta da questão número 8 (risos). Outro ponto importante em qualquer situação é a dimerização. Gostamos de ter controles de iluminação que permitam a variação da tonalidade da cor bem como de intensidades para criar cenários propícios a cada situação que se apresenta ao longo do dia. 

H: Uma dica de iluminação, por favor, para os leitores de Hardecor.

DF: Queridos leitores de Hardecor, não gosto muito da palavra dica, mas, entendo perfeitamente sua utilidade. São na verdade, premissas, conceitos, diretrizes que norteiam nossas escolhas. O importante no final é ser feliz. Vamos lá: “Vai iluminar paredes lisas? Cuidado no posicionamento das suas luminárias, luz rasante nas superfícies pode evidenciar os defeitos da sua parede. Vai iluminar paredes com texturas interessantes? Atenção ao posicionamento das suas luminárias, luz rasante, neste caso, pode de forma positiva, evidenciar as texturas e a beleza da sua parede. Vai usar o mesmo produto para iluminar áreas onde pretende um nível de iluminação próximo e as distâncias entre fonte de luz e plano de trabalho são diferentes? Cuidado na escolha da fotometria e da intensidade. Estude cálculos luminotécnicos. A luz se perde com o quadrado da distância”. Enfim, algumas dicas são muito fáceis de serem compreendidas e tem aplicabilidade no minuto seguinte. Outras dicas, nem tanto. Dependem de horas de estudo para um entendimento mais abrangente. Lógico que tudo isso é muito bom. Contudo, o segmento de iluminação é vasto e magnífico. Precisamos de mais e mais pessoas interessadas no seu estudo científico e artístico. Ora vamos iluminar para contemplação, ora vamos iluminar ambientes laborativos, com diretrizes específicas de iluminância, ofuscamento, IRC, uniformidade, entre outros aspectos objetivos e técnicos. Seja lá qual for o seu projeto de iluminação, entre para esse time de apaixonados pelo bom e correto uso as luz. Surpreenda o seu cliente com uma luz técnica e de alta qualidade.

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Esther Stiller: @i.estherstiller; Foco Iluminação e Desenho: http://focold.com.br/

Projeto iluminação Catedral Santiago de Compostela: https://www.lightzoomlumiere.fr/realisation/cathedrale-saint-jacques-de-compostelle-porche-gloire-eclairage-exclusif-pour-monument-unique/

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