Jorge Salomão em entrevista exclusiva para Hardecor III

Jorge Salomão em entrevista exclusiva para Hardecor III. O encontro que tive com o malabarista, ator, escritor, poeta, letrista, diretor e agitador cultural Jorge Salomão, foi suficiente para que ele ganhasse uma fervorosa. Mais uma, estou certa. A generosidade deste carioca nascido na Bahia é flagrante, muito clara na sua fala e em suas atitudes. Jorge dissipa luz e sabedoria, e hoje publico a terceira e última parte de nossa conversa tão rica e especial. Leia as anteriores aqui, Parte I e Parte II. A edição foi quase nenhuma, pois queria que os leitores tivessem acesso à maneira exata de Jorge se expressar. Sua fala, tão poética e muitas vezes divertida é de uma riqueza imensa, e confesso que em nenhum momento cogitei em cortar partes da entrevista para publicar em apenas um post, como sempre aconteceu no blog. Jorge é totalmente particular, e merece ser lido e relido por mim, por vocês, por todos nós, que temos a sorte de viver no mesmo planeta e ao mesmo tempo que este grande cara! Obrigada Jorge Salomão!     

Jorge Salmão para Hardecor!

Jorge Salmão para Hardecor!

 

Hardecor: Fale sobre o Jorge Salomão ator, por favor.

Jorge Salomão: Eu gosto muito de trabalhar como ator. No palco, eu tenho que trabalhar toda a vitalidade, para te jogar uma boa bola para você responder no mesmo nível. Isso é muito importante, essa coisa da força interior, e não algo estanque. Eu gosto muito de atores e tenho muitos amigos atores, alguns na televisão, e eu não gosto de televisão, não gosto de ver novela, mas tenho amigos que fazem etc e tal. “O ator é o atleta do coração” é frase de Antoine Artou, que ele dizia em um texto belíssimo, que em poucas palavras tentei traduzir. A força do gestual, do comportamento, do vocal, da inflexão no tempo, a atenção se você está fazendo uma interrogativa, uma exclamativa, entende? Criar esses diferenciais fortes. Eu em termos de palco sou bem forte. Sou mais gaiato no day-by-day, mas no palco sou metidinho para falar…

H: Você tem uma voz bonita.

JS: Eu assumo postura, porque acho que é interessante isso, a gente trabalhar a sensibilidade, entortar um pouco para gerar outra coisa. Modéstia à parte, eu tenho me saído bem no palco. (risos) Visto os espetáculos que eu fazia, em que as mulheres ficavam gritando um monte de coisas. Apagava a luz e eu morria de rir. Eu tinha que dizer um poema do Manuel Bandeira encostado a uma parede “Ó, eu quero a estrela da manhã, vem estrela da manhã, onde você está?” (declamando). Era um poema enorme, e eu memorizei, e quase no final a mulher que estava bem na frente do palco, gritava “Lindo, gostoso”, e eu segurava aquela última frase até apagar a luz do palco e ria mesmo, sem ninguém ver, mas dizia: “Meu Deus, uma loucura isso!” Eu acho bonito palco, é uma experiência forte, você ganha assim uns lances, ligados a mágica, sabe? De uma hora para outra você vê que você pode fascinar. No palco tem uma luz em cima de você, que não é nem o dono nem o dominador, mas você tem aquele poder de segurar uma energia, trabalhar uma fluidez mágica, é tão bonito isso. Eu sempre me emociono muito quando estou em um palco, falando.

H: Jorge, você acabou de ler o livro do Umberto Eco. Que outro livro você gostou e que você gostaria de dar a dica para os leitores de Hardecor?

JS: Uma boa dica é ler sempre. Eu leio muitos clássicos, e gosto de ler todo tipo de livros. Desde garoto eu sempre li muito, desde almanaque de farmácia, revistas em quadrinhos, anúncios, eu gosto de ler tudo. Acho que a leitura é importantíssima e é bom a gente frisar isso. A literatura brasileira é tão rica, os romances nordestinos, o João Guimarães Rosa, a Clarice Lispector, é uma obra prima. Eu leio jornais, mas brigo muito com eles. Leio com uma Pilot (caneta), eu risco, xingo: “Miserável”! (risos) Eu gosto disso! Eu tenho uma mania muito grande, que o Waly ( irmão de Jorge, morto em 2003) também tinha, que é ler um livro com um lápis e anoto frases, grifo, ou comentários. Gosto desse jeito e de estar sempre atento as coisas que estão saindo e aos bons autores. Tem muita coisa boa e tem muita porcaria também. Virou um mercado doido isso, de livros de autoajuda, que eu acho muito ruim, né? Porque é canalhice, bobagem. Ao mesmo tempo tem tantos livros bonitos, de compreensão da sua interioridade, livros indianos, livros que até já tem tradução no Brasil. Eu recomendaria sempre ler os clássicos. Dante, Shakespeare, Victor Hugo, Lorca, Cervantes, Lima Barreto, um autor maravilhoso e um homem que teve uma vida tão triste. A gente tem que ler e fomentar a leitura, que é uma coisa boa. Incentivar as crianças a ler a pensar, porque a leitura é um pensamento fluído, você está aumentando seu conhecimento. Não é uma parede de cal, você está trabalhando seus sentidos. Eu penso assim, estou sempre lendo. Tenho relido ( James) Joyce, que é um autor que gosto muito, retrata o artista quando jovem , Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Guimarães Rosa, que acho uma obra prima. Você descobrir a sonoridade das palavras e a captação desse universo brasileiro de um jeito tão bonito. A Clarice Lispector que tem uma escrita belíssima, as questões ligadas à alma, ao sensível. Tem a Nélida Piñon, que eu adoro, minha amiga, falamos muito pelo telefone. Tem um trabalho belíssimo.

H: Como é a casa de Jorge Salomão?

JS: Olha, minha casa é um estúdio. Minha casa é onde eu vivo, é meu corpo, ao mesmo tempo é cheio de coisas e ao mesmo tempo vazia de coisas, porque minha casa é uma casa aberta a experiências. Eu moro no primeiro andar, tenho uma grade cheia de plantas e passa gente e eu começo a conversar e chamo para tomar um café. É uma casa cheia de quadros, e eu gosto dessa coisa circular e gosto do silêncio. Adoro agitação, adoro, mas gosto do silêncio também, gosto da madrugada, acordar e ficar vendo as coisas da noite, o esqueleto da cidade. Da minha casa vejo a Glória (bairro do Rio) lá embaixo, vejo o Aterro. Fico olhando e de vez em quando uma buzina dispara, um cachorro late, daqui a pouco um tiro, e fico pensando, pensando, até ao ponto da exaustão. Adoro comer biscoitos na madrugada. Abro a geladeira e tem sempre um biscoito, adoro. Parece coisa de criança, mas adoro. (risos) Sempre integral, de gergelim, algo mais soft. Concluindo: acho que a casa é um motor. Minha casa é cheia de plantas, e eu as trato como filhos. Boto terra e tiro, isso as 6h00 da manhã, já estou mexendo. Quando eu viajo venho correndo para ver como elas estão. Eu já deixei a chave da minha casa com umas pessoas e eu não gostei porque você volta está uma bagunça, e isso mexeu com o clima astral que ela tem. Eu sou muito aberto, eu gosto de gente. Se alguém bater na minha porta, “Jorge eu não tenho onde morar, eu digo: fica morando aí”. Minha casa só tem um quarto que vai dar em um banheiro e tem um sofá grande na sala, que é enorme. Eu gosto de uma casa experimental. Escrevo textos, jogo pelo chão, passo por cima, boto música, danço, daqui a pouco o vento leva aqueles papéis, e eu digo: “Vem cá!” Eu gosto disso. Trabalhar e retrabalhar uma coisa. Então minha casa é um estúdio experimental e vai muita gente lá em casa. Fotógrafos, e passa gente que não tem nada o que fazer, sabe? E já faço um café. Tenho uma cozinha americana com um fogão de 02 bocas. Eram 04 e foram quebrando e eu não vou mandar arrumar fogão, já chegam as outras coisas, porque casa é um problema sério, né? Meu edifício é meio antigo, então um dia a descarga não desce, outro é a torneira. Não trato a casa como algo formal, porque eu aprendi isso, a casa da minha mãe era assim, quem chegava, entrava e comia. Minha mãe era uma linda. Se você chegasse lá ela falava: Valéria, venha aqui. Parecia que você era íntima dela. Amigos meus iam de carro para Salvador e ficavam seis dias lá e ela adorava. As meninas, filhas daquele povo que vinha da fazenda, a gente dizia, vamos estudar, tem que estudar, e hoje são médicas, professoras. Uma casou, outra descasou, e eu: te avisei que aquele homem não era legal. Elas choravam o dia que eu ia-me embora. Eu dizia: “Só faltava, está parecendo que esta saindo daqui o que? Um caixão, é?” Minha mãe morria de rir, mas falava quando eu ligava que eu havia deixado um buraco na casa. Eu falava: Ah, mãe, daqui a pouco estou aí. Gosto muito disso tudo.

H: Você cozinha, Jorge?

JS: Eu cozinhava muito quando morava em Nova York, porque lá tem praticidades. Por exemplo, se você vai fazer uma carne, que eu sei fazer pouco, você vai naqueles italianos e compra todo tipo de molho, maravilhoso, você tem escolhas. Ultimamente voltei a fazer umas coisinhas, bem metido. Outro dia estava fazendo um frango em casa, desfiei, coloquei bastante limão, todos os condimentinhos, depois fui para a frigideira, coloquei pouco azeite e aquilo foi tostando, botei gengibre raladinho, ficou gostosinho, e no final pensei: Ah, já sei o que vou fazer. Quando estava bem dourado, virando, eu “PUF”, peguei o mel e pinguei uma fileira em cima, virei, pinguei do outro lado. Ficou gostoso…!! Chamei de Frango à moda Catalã! Na hora, chegou uma amiga, e eu disse: “Você está chegando na hora certa porque fiz uma salada e frango à moda Catalã”! A mulher ficou louca. “Jorge, está delicioso”! Expliquei que foi uma brincadeira, quer dizer, voltamos ao velho conceito: minha liberdade é a liberdade do outro, entende? É isso. Tudo na vida é conquista, crescimento, diálogo. Claro que temos momentos tristes, tensão, momentos horrorosos, espatifados. Às vezes uma amigo liga em uma situação dramática. Eu sou aquele do absoluto. Se alguém me diz que não tem um tostão, eu não tenho o que comer, eu digo: “Passa aqui agora”. Se eu tiver R$ 200,00 em casa, dou os R$ 200,00, fico sem nada. Dou tudo o que tiver na geladeira, eu me viro, eu tenho a força. He-Man, sabe? Eu sou tipo assim. Outro dia um amigo meu ligou: Jorge, eu estou sem casa, estou sem trabalhar, não tenho nada. Eu tinha um dinheiro em casa e dei para ele, que perguntou: e você? “Você está preocupado comigo, pô? Peguei tudo o que tinha na geladeira, disse: “Leva”. Uns dias depois ele ligou: “Poxa bicho, obrigado”. E eu: “Ah, deixa de lorota”. É tão bom isso. Espírito esportivo, claro que nem em todo momento você lida com a esportividade porque as vezes você vê violências tão perto de você, mas você vai tratar isso como? Eu tenho uma mania e talvez, graças a Deus, seja herança de formação de ter um espírito bem libertário. Tem uns meninos que todo dia de manhã descem a ladeira para trabalhar, de mochila. E as 6h:00 eles vão subindo. Olha a história! Eu sempre estou molhando minhas plantinhas na janela, e eles sobem falando, os três, e em frente a minha casa um carro da polícia parou, saltaram os policiais, bravos, “Pra parede”. E eles foram, levantaram os braços. Seu Jorge aqui, abriu a porta do apartamento e disse: “O que é que está acontecendo”? Aí o policial falou assim: “E o senhor tem alguma coisa a ver com isso”? “Tenho sim, porque eu pago imposto, etc e tal e eu conheço esses meninos, eu me responsabilizo por eles, são meus amigos. Cara, eu já estou vendo seu nome aí, eu conheço o beltrano, o sicrano, a Marta Rocha delegada”. Aí o outro falou: “Rapaz, vamos embora”! Depois os meninos: Pô, legal! Então são coisas que não dá para você engolir. Talvez essa seja a razão do meu nome Jorge. Sempre em cima do cavalo branco, lutando!

H: Ainda bem, né?

JS: Graças a Deus, e me sinto feliz. Não sinto solidão nenhuma, adoro viver sozinho, de um modo não pegajoso, porque eu brinco com coisas, escrevo, lido com situações de criatividade, mas não tenho aquela dor de estar sozinho, acabado, que eu vejo as pessoas falando. Minha individualidade é tão parcelada com facetas do mundo que a qualquer momento estou disponível. Um amigo liga, um conhecido, a solidariedade é a coisa mais importante que tem. Porque estou falando isso? Porque um assunto que é tão difícil e também que a gente tem que lutar por isso. Você tem filhos, eu tenho filhos, a gente gosta de trabalhos criativos, então só temos esse universo, bonito, o campo do possível.

H: Jorge, para finalizar, eu queria que você desse uma dica, mais uma, para os leitores de Hardecor.

JS: Eu acho que viajar é muito importante, conhecer lugares, mas aonde você estiver, trabalhe as coisas daquele lugar, entende? Você pode estar em uma cidade pequena ou grande, veja as coisas boas que tem no lugar, um rio, uma cachoeira, uma biblioteca, as melhores comidas. Cada lugar tem situações bem bacanas, se integre muito, interaja com o espaço do mundo que você estiver. Seja em Presidente Prudente, em Jequié, seja em Marrakesh, Londres ou Nova York. Por exemplo, tem um grupo fazendo música, vá ver, troque ideias, isso é o mundo atual e o que ele tem nos dado. O mundo contemporâneo é essa possibilidade da gente interagir bonito. E porque não fazer? E torcer cada hora mais por isso, pela jovialidade da ação da vida. Ver a vida sempre por um ângulo do possível, esse eu acho que é o caminho. Estamos aí!

H: Você é um cara maravilhoso, estou apaixonada por você!

JS: (Risos) Ah, obrigado!

H: Obrigada pela entrevista incrível. Foi muito legal.

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